Como o próprio arcebispo dom Murilo Sebastião Ramos Krieger, 67, ressaltou desde que soube de sua nomeação para a arquidiocese de São Salvador, a diferença cultural é grande.

— Desafio não será pequeno, pois haverá a mudança cultural e geográfica — avaliou, durante sua despedida no Conselho Regional de Pastoral, 04, em Tubarão, Santa Catarina.

São Salvador da Bahia, a mais antiga diocese do país, 1551, está distante 2.632 km de Florianópolis, cidade em que dom Murilo morou até sua partida definitiva na última terça-feira, 22. Entretanto, a distância cultural é ainda maior.

Terra dos romances do escritor Jorge Amado, do acarajé no tabuleiro das “tias” baianas e das músicas de Dorival Caymmi, a história de Salvador se confunde com a do Brasil.

Diversidade Religiosa

Nascida em 1549, a primeira cidade do País já era habitada por europeus desde 1510. Em 1534 foi fundada a primeira capela, em louvor a Nossa Senhora da Graça. Inicialmente o catolicismo, trazido pelos colonizadores portugueses, era quase absoluto, o que fez de Salvador a cidade com mais igrejas, 365, uma para cada dia do ano. Mas, dom Murilo hoje encontrará o sincretismo religioso. Catolicismo e candomblé formam um dualismo que remonta o século XVII.

Um exemplo disso é a Festa do Bonfim, católica, que se confunde com a Lavagem do Bonfim, de caráter afro-religioso. Ao mesmo tempo em que No

sso Senhor do Bom Fim é homenageado pelos cristãos, fiéis do candomblé e umbanda celebram Oxalá, que no sincretismo equivale a Cristo. O ponto alto da festa ocorre quando as escadarias da igreja são lavadas por cerca de 200 baianas vestidas a caráter que, de suas quartinhas — vasos que trazem aos ombros — despejam água nas escadarias e no átrio da igreja, ao som de palmas, toque de atabaque e cânticos de origem africana.

Entre as expressões culturais mais importantes está o afoxé, que é definido popularmente como um ritmo do Candomblé. A capoeira é dança e luta — estratégia e ataque — que acontece ao som de instrumentos como o berimbau. Uma expressão do intercâmbio cultural é o samba de roda, que surgiu a partir da união de muitos elementos de dança dos diferentes povos africanos. No entanto, dom Murilo se sentirá familiarizado com a Folia de Reis, festa religiosa de origem portuguesa, que chegou em Salvador no século XVIII.

Muito tempero

Salvador é a cidade mais antiga do país.

A culinária baiana é outro exemplo da preservação das matrizes culturais africanas, além da religião e da música, na cultura local. Na cozinha há muito azeite de dendê, leite de coco, coentro e pimenta, além de outras especiarias.

Um prato muito famoso é o Vatapá, que pode ser preparado com pão molhado ou farinha de rosca, fubá, gengibre, pimenta-malagueta, amendoim, castanha de caju, leite de coco, azeite-de-dendê, cebola e tomate. O Vatapá pode ser servido junto com o acarajé, feito de massa de feijão-fradinho, cebola e sal, frita em azeite-de-dendê. Abará, bolinho de feijão ralado e camarão seco, cozido e enrolado na folha da bananeira e cocadas de vários tipos, são também muito populares.

Mudança necessária

A realidade social é muito complexa. Dom Murilo viverá no município que é o nono em concentração de favelas no País, segundo o IBGE (2000). A exploração sexual de menores faz de Salvador uma das principais cidades em número denúncias de exploração sexual de jovens e adolescentes. Até outubro de 2010, foram mais 138.

Salvador supera São Paulo e Rio de Janeiro nos casos registrados de violência. Segundo uma reportagem da revista IstoÉ, em maio do ano passado, o número de homicídios cresceu 80% entre 2006 e 2009. Em 2006 foram registrados 678 assassinatos.