A advogada e doutora em Direitos Humanos, Larissa é coordenadora do departamento de Proteção do Centro de Referência para Refugiados da Cáritas de São Paulo, explicou no Seminário das Pastorais Sociais do Regional Sul 4 da CNBB (Santa Catarina), sobre o funcionamento do serviço e as questões legais que envolvem os refugiados e imigrantes, nos dias 12 e 13, em Rio do Oeste.

AGÊNCIA SUL 4 – Larissa, você trabalha junto com refugiados de diversas origens, profissões e histórias pessoais. Você percebe a existência de características em comum entre elas?

LARISSA LEITE – A característica é a diversidade. Nós já registramos quase ou mais de 90 nacionalidades. Uma característica que se repete em todas as nacionalidades é a presença maior de homens do que de mulheres. Mais ou menos 70% o número de homens e 30% número de mulheres. A faixa etária é uma faixa etária de jovens da maioria. Há situações de pessoas com mais idade, pessoas mais idosas, crianças e adolescentes, mas o maior grupo situa a linha entre os 18 aos 40 anos.

Um perfil que é muito interessante destacar, é que a maioria é de pessoas com o nível médio ou superior de ensino. Menos de 1% é de analfabetos. Existe um estereótipo contrário a isso, existe uma tendência a pensar que o refugiado necessariamente alguém iletrado, não é o caso.

Outro perfil, que a gente tem, ou outros elementos de perfil que nos preocupam agora, é chegada de menores desacompanhados, ou seja, adolescentes que viajam e chegam a ao Brasil sem qualquer familiar e também o número de mulheres chefes de família, há mulheres que chegam com crianças também é um número crescente.

A mudança de perfil, especialmente das nacionalidades, é muito dinâmica. Em quatro anos, a gente já teve pelo menos cinco ou seis ondas diferentes. Então, essa flexibilidade para adaptar às características diferentes é muito importante no trabalho.

SUL 4 – As primeiras necessidades também são comuns…

LARISSA – Existe também as necessidades específicas, mas o que tem de comum, exceto aqueles que vêm de países de Língua Portuguesa, é a necessidade de aprender português, é o desconhecimento da realidade brasileira, das leis brasileiras. Também, na maioria dos casos, as pessoas precisam de um apoio assistencial no início, mas, o que a gente vê, acompanhando os casos, é que a pessoa que recebe um atendimento assistencial e, em paralelo, um bom processo de apoio para integração, rapidamente sai da assistência.

Outra característica comum, é a necessidade de uma atenção especial em relação às questões de saúde mental, não que todos necessitem, e tudo mais, mas, o trauma vivido, que é o motivo da pessoa ser um refugiado, é um trauma muito forte, muito profundo. Então, isso a pessoa carrega para sempre e ela precisa ter zonas de escape, para trabalhar a isso e a gente vê isso nas crianças, por exemplo, é uma marca bastante forte.

Agora, tem situações diferentes porque algumas realidades são diferentes. A gente pensa, por exemplo, entre sírios, que conseguem chegar ao Brasil muito mais com as famílias do que individualmente. Isso é positivo, do ponto de vista de conforto emocional e também de segurança entre eles, mas, é um desafio para a assistência porque quando você tem que brigar uma pessoa sozinha mais fácil encontrar uma vaga do que você ter que brigar uma família de 6 pessoas, com adultos mulheres e crianças.

Outra as outras nacionalidades, estão tão quebradas nas famílias, que uma necessidade por exemplo, entre os congoleses, é ajudar a restabelecer laços, contato com os familiares. Então, tentar encontrar esses familiares. Tem algumas organizações que são parceiros que nos ajudam nisso, como a Cruz Vermelha.

É uma série de peculiaridades, mas, existem necessidades em comum e também valores em comum e também valores em comum. É interessantíssimo quando essas pessoas encontram oportunidades, a rapidez com que eles avançam é impressionante, a rapidez com que eles aprendem português, a rapidez com que eles se engajam num trabalho ou num empreendimento ou numa comunidade, é muito impressionante, mesmo, de ver essa garra que eles trazem.

Algo muito perceptível entre os brasileiros é um certo receio, ou mesmo preconceito em relação aos que chegam de outros países. Especialmente, do Haiti, países africanos e do oriente médio. Essa visão é algo permanente ou costuma mudar entre as pessoas e comunidades que têm contato prolongado com os estrangeiros?

É natural que a gente estranhe e tema desconhecido ou o que é muito diferente. O ponto fundamental à informação, compreensão e aproximação. Em São Paulo, é incrível como as pessoas, quando se aproximam e compreendem quem é a pessoa do refugiado, quem é a pessoa do imigrante, na maioria das vezes, a pessoa se encanta e quer estar mais próximo. Porque é muito rico você conhecer o universo diferente, que é trazido por aquela pessoa que veio de outro país.

Também se solidarizar com o sofrimento muito grande, que é que é origem das pessoas se deslocarem, no caso dos refugiados e no caso de outros imigrantes, que vende situações muito dramáticas também. Essa empatia que é feita entre o brasileiro e esse imigrante normalmente gera relações muito bonitas.

É claro que é importante a gente tem em mente o que o imigrante é pessoa como todos nós. Então, o ato ou a ação dessa pessoa também pode entrar em alguns deslizes, que podem ser de razões e naturezas diferentes, mas não existe nenhuma diferença para com a liberdade que os brasileiros têm, também, de praticar os seus atos e a possibilidade de acontecer alguns deslizes. Não motivo de temer o estrangeiro. Ele não é o invasor, ele não é um ser daninho. Ele veio aqui simplesmente para viver. Então, esse estranhamento por mais que ele seja natural, é alguma coisa que precisa ser superada.

Normalmente quando as pessoas se aproximam, o que eu vejo, é uma vontade de estar mais perto, não vontade de estar longe.

SUL 4 – Você falou em imigrantes e refugiados. Há diferença entre estas situações?

LARISSA – Todos os que se deslocam são migrantes, mas a gente chama de imigrante aquele que se deslocou de um país, do seu país, para o outro por ter tomado uma decisão e vive, na maioria das vezes, por vontade própria no outro país. O refugiado alguém que sofreu uma perseguição gravíssima baseada na sua religião, na sua opinião política, na sua nacionalidade ou no grupo social que ele pertence, as mulheres são perseguidas. O refugiado, porque sofreu essa perseguição gravíssima, precisa sair do seu país, se não ele pode perder a vida, perde sua liberdade, perder direitos fundamentais, mesmo. Também são refugiados aqueles que fogem de guerra, que são citações de generalizada violação de direitos humanos. Essas pessoas quase não tiveram nenhuma opção. Precisaram sair para salvar suas vidas.

Quando a gente fala o refugiado e imigrante está tentando está fazendo essa diferença porque a lei trata diferente quem fugiu de uma perseguição ou de uma guerra e quem não fugiu, o imigrante que saiu por outras razões. Claro que os imigrantes, apesar de não terem surgido fugindo de perseguições como é que eu falei e de guerra, muitas vezes, também deixaram a sua terra por necessidades muito fortes, situações de calamidades naturais, situações de fome extrema e o principal, então, é entender que o imigrante, o refugiado e nós nacionais somos seres humanos. Nesse ponto não há nada que nos diferencie e que por tanto, temos direitos iguais pelo simples fato de termos pessoas.

SUL 4 – Explique um pouco como funciona este trabalho da Cáritas em São Paulo e quais os serviços oferecidos pela Cáritas para os refugiados, em São Paulo.

LARISSA – A Cáritas da Arquidiocese de São Paulo tem vários projetos e núcleos, um deles é o Centro de Referência para Refugiados. Um trabalho de cerca de 30 anos e que hoje é um escritório de atendimento às pessoas estrangeiras que estão em situação de refúgio ou que querem fazer o processo de refúgio. Nesse escritório, a gente tem quatro áreas de atendimento e mais algumas áreas de apoio.

A primeira área de atendimento é área de assistência, que tem profissionais e voluntários que tentam entender quais são as primeiras necessidades em termos de moradia, de saúde, de alimentação, de encaminhamento de crianças e as primeiras dúvidas sobre o processo. Nessa área de assistência é que a gente faz esse encaminhamento primeiro.

Depois a gente tem área de integração, que também é tem assistentes sociais, mas quem trabalha mais nos aspectos de projetos para dar autonomia aos estrangeiros aqui. Cursos de português são coordenadas por essa área, encaminhamento para emprego, parceria de cursos profissionalizantes, revalidação de diplomas e, assim, sucessivamente. Então, sempre esses setores vão atendendo individualmente as pessoas que procuram, que fazem agendamento e tudo mais.

Tem a área de proteção cara legal dizer atendimento assistência legal então a gente tem advogados, pessoas formadas em relações internacionais ou estudantes, que fazem atendimento individual, também, para auxiliar as pessoas no processo de solicitação de refúgio, na obtenção dos documentos e, também, fazer atendimentos de dúvidas ou de problemas relacionados aos direitos das pessoas. Ali essa área capta muitos dos problemas relacionados com atendimento pela Polícia Federal, com a demora do processo, mas, também com outras violações, violações no trabalho, violência doméstica, violência institucional, que muito comum em São Paulo, a polícia muito agressiva, enfim, todas as questões relacionadas a Lei.

E o último programa de atendimento direto é o de saúde mental, que tenta prestar assistência às pessoas que manifestam alguma necessidade relacionada a uma questão psiquiátrica ou psicológica. Essa identificação também é feita pelos outros setores. Quando, por exemplo, a pessoa vai para uma entrevista com advogado, e se percebe que ela está numa situação de estresse pós-traumático ou de crise, a gente faz encaminhamento para o pessoal de Saúde Mental.

Esses programas contam com profissionais remunerados ou com profissionais voluntários e estudantes. Além de tudo, como a gente é um centro de referência, de nada adiantaria gente receber as pessoas e não ter para onde encaminhar, porque tem muitos problemas que ele não consegue resolver nós mesmos. Então, gente tem uma rede de parceiros muito grande e a gente procura estimular esse trabalho em parceria. A pessoa chega e não tem onde morar a gente, trabalha em parceria com a missão paz que tem uma casa de acolhida e assim vai. Além disso, a gente tem os programas de apoio. Tem programa de relações externas, que faz eventos com os refugiados, um dos eventos maiores que a gente faz é a Copa dos Refugiados, que agora já é organizada pelos próprios refugiados. Tem uma área financeira de apoio, tem uma coordenação e coordenação trabalha estabelecendo novas parcerias para que trabalho continue.

Locução: Mayra Pacheco