
A Kaingang Fen’Nó, batizada como Ana da Luz Fortes do Nascimento em 1917 e falecida no dia 06 de março, foi homenageada pelo curso de Licenciatura Intercultural Indígena da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) no sábado (22). Nos anos de 1970 e 1980 ela participou ativamente da luta pela demarcação da terra indígena Toldo Chimbangue, na região de Chapecó, resultou na recuperação de 988 hectares em 1985. Emocionados, familiares da guerreira lembraram sua trajetória.
— Hoje a gente tem um lugar para agradecer a ela. Por ela ter tido força e hoje a gente tem um lugar melhor para morar e um pedaço de terra para a gente poder viver um pouco da nossa cultura —, disse Janete da Veiga, neta da Fen’Nó, que é professora da escola indígena que leva o nome da avó.
O neto Alexandre da Veiga enfatizou que a luta de sua avó influenciou a criação do artigo 231 da Constituição Federal de 1998, que reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, protegê-las e fazer respeitar todos os seus bens.
— Estou vendo muitos acadêmicos, que vão se formar líderes, não deixem de lutar por nossos direitos. A minha vó foi uma guerreira, eu não gostaria que a luta dela ficasse em vão. Que cada um de nós aqui, possa lutar cada dia mais por nossos direitos, os direitos dos nossos filhos, nossas famílias — pediu Veiga.
A história da conquista da terra no Toldo Chimbangue teve a participação do economista e professor fa UFSC Armando Lisboa, que conheceu a guerreira por influência da “rede de pastorais da Igreja”. Na época ligado às pastorais da juventude e universitária, ele tinha também familiares do CIMI, que apoiaram a comunidade mesmo com o risco de vida. “Em 1985, o fusca em que eles estavam foi crivado, no acesso ao Toldo”, contou.
Dois momentos finais e cruciais aconteceram em Florianópolis, também em 1985. Fen’Nó e outros Kaingangs entraram pelo corredor central da Catedral Metropolitana, que estava lotada, trazendo símbolos da comunidade em uma missa presidida pelo arcebispo Dom Murilo Krieger.
O ato religioso antecedeu a chegada dos indígenas na Assembleia Legislativa, também lotada. Como o Governo Federal estava irredutível, cerca de 15 pessoas, entre agentes do CIMI, indígenas e jovens da Pastoral da Juventude, “realizaram um último e desesperado ato: uma greve de fome”, contou Armando.
— Por muito pouco o Chimbangue não desapareceu — completou o professor.
Um levantamento histórico do CIMI intitulado “Toldo Chimbang – História e Luta Kaingang em Santa Catarina” e laudos antropológicos da UFSC foram fundamentais para a que a lei fosse cumprida.
No ano 2000, sua história foi retratada no documentário “Fen’Nó – Tributo a Uma Guerreira”, realizado pelo cineasta paulista Penna Filho e exibido nesta atividade em memória a líder. Penna interessou-se por ela quando viu sua foto publicada em um jornal do CIMI (Conselho Indigenista Missionário, organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), em uma homenagem da Câmara de Vereadores de Chapecó no Dia Internacional da Mulher de 1999.
O documentário foi “despretensioso e realmente sem recursos”, porque, segundo o diretor, as empresas não querem vincular suas marcas a questão indígena. A produção aconteceu com equipamentos emprestados e apoio do CIMI, da Diocese de Chapecó e de algumas universidades catarinenses. Mesmo assim, foi considerado o Melhor Vídeo Educativo no I Festival da Terra, 2000, em Brasília, promovido pela CONTAG, e recebeu Menção Honrosa no 7º CineEco (Serra da Estrela, Portugal). Trabalho que subsidia estudos e debates sobre a questão indígena nos meios universitários.