Estamos chegando no fim da Campanha da Fraternidade de 2023 com o tema: “Fraternidade e Fome” e sob o lema, a palavra ou ordem de Jesus: “Dai-lhes vós mesmo de comer” (Mt 14,16).
Nos anos de 1973 a 1986, o Brasil teve um período chamado de “Milagre Econômico”, sob a batuta do então Ministro da Economia Antonio Delfim Neto. Um dos princípios que se pregava, era que “primeiro devia se fazer crescer o bolo, para depois repartir”. Realmente a riqueza, o PIB, a produção de cereais, gado, e alimentos em geral, começaram a crescer ano por ano. Quer dizer: “fizeram o bolo crescer”. Havia, porém, um grave problema nesse sistema de governo: O “bolo” cresceu e cresceu muito, mas não foi repartido por igual com o povo brasileiro. Por isso, na outra ponta, a pobreza, a miséria, a favelização, o êxodo rural, o inchaço das cidades e a fome cresceram a galope.
Certo dia, atribui-se ao Presidente general militar, Emílio Garrastazu Médici, considerado por muitos o “mais cruel” e, inacreditavelmente, “o mais popular” presidente da ditadura militar, a seguinte frase dita no início dos anos de 1970: “a economia vai bem, mas o povo vai mal”. Para esse crescimento, desde aquela época até hoje, de nossa produção agropecuária e sua indústria de alimentos, falta a luz da Palavra, da atitude e do cumprimento da ordem de Jesus: “Dai-lhes vós mesmos de comer”.
Nas duas conhecidas Multiplicação dos Pães e Peixes realizadas por Jesus, desejo destacar alguns pontos:
1º – Jesus “levanta os olhos e vê uma multidão faminta vindo a ele”;
2º Jesus chama os discípulos e lhes diz: “tenho compaixão deste povo, já faz três dias que estão comigo e não tem o que comer”;
3º – Os discípulos preocupados perguntam a Jesus: “Onde comprar pão para tanta gente? Não temos sequer dinheiro suficiente para poder comprar comida para que cada um ganhe um pedacinho”;
4º – Jesus pergunta o que tem com eles: na primeira vez, descobrem que alguém do meio do povo tem 5 pães e dois peixes; na segunda vez, eles têm sete pães;
5º – Jesus manda que façam o povo se sentar (organizar o povo);
6º – No começo “Jesus levantou os olhos e viu o povo faminto vindo a ele”, agora, “Jesus levanta os olhos ao céu” – a Deus – e reza e invoca a bênção sobre os alimentos disponíveis;
7º – Jesus partiu os pães e mandou repartir entre todos por igual tanto quando cada um podia comer e mandou, também, repartir os peixes da mesma forma;
8º – Jesus manda nas duas vezes recolher tudo o que sobrou, para que nada se perca.
Jesus está preocupado e sente compaixão com o povo pobre e faminto que já está há três dias com ele e com os discípulos e por isso, age. O cristianismo, primeiro só a Igreja Católica, mas depois, também, as Igrejas evangélicas já estamos com o povo brasileiro, com os indígenas, com os escravos e seus descendentes, com imigrantes de diversas nações, há séculos e séculos. Onde está nossa compaixão, nossa solidariedade, nossa exigência e ordem em nome de nossa fé em Jesus para que “o grande bolo” seja repartido com todos?
A cada ano quando os governos orgulhosamente anunciam e publicam ao mundo inteiro que as colheitas, o número de abates de gado, frango, suínos etc., tudo quebrou novos recordes, faz confirmar que nosso “bolo” continua crescendo e nossa economia também, entre solavancos, permanece relativamente estável. Quando, porém, se anunciam os novos números de desempregados, dos trabalhadores informais e sem nenhuma seguridade social, os números de miseráveis que estão abaixo da linha de pobreza, os milhões que passam fome ou vivem na inseguridade alimentar, esse gigante riquíssimo passa vergonha diante de todas as nações.
Sem ter os 5 pães e os 2 peixes, o chamado “milagre da multiplicação” não teria acontecido, portanto, é preciso produzir, mas produzir para repartir, para partilhar e isso não acontecerá enquanto não tivermos em nós o sentimento mais nobre de Jesus diante do povo faminto: A compaixão.
Enquanto nosso sistema e nossa política econômica tiver prioritariamente a meta “fazer o bolo crescer”, e crescer com a prioridade da exportação para obter lucros e dividendos e gerar “superávit” na balança comercial, sem a compaixão para com a multidão faminta, esse país não é cristão em obras. Até pode nos discursos de púlpitos, nos palanques eleitorais ou nas tribunas do legislativo, mas não segundo a ordem de Jesus: “Dai-lhes vós mesmos de comer”.
Por Dom Guilherme Antonio Werlang | Foto: Jaison Alves da Silva