A Campanha da Fraternidade deste ano, 2023, proposta pela CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, nos coloca diante de um tema que, além de arregalar os nossos olhos, fere o nosso coração: a fome de milhões de pessoas. Como é possível ter tantas pessoas passando fome com as riquezas que a Mãe Terra nos proporciona? Como é possível a insensibilidade do coração humano? Qual é o valor de cada pessoa humana e a consequente responsabilidade social de todos para cada um? 
 
Para nós, cristãos católicos, a dignidade da pessoa humana em ter acesso aos direitos fundamentais de uma vida digna é inviolável. Surge uma pergunta: De onde vem esta inviolabilidade da dignidade da pessoa humana? Da Santíssima Trindade, de nosso único Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo. Jesus nos revelou o mistério de Deus como amor trinitário e, como criados à imagem e semelhança de Deus, revela-se a vocação da pessoa humana ao Amor, ilumina a dignidade e a liberdade da pessoa. O que Jesus Cristo afirmou nas páginas do Evangelho nos mostra a identidade e vocação do gênero humano. O compêndio da Doutrina Social da Igreja, do Pontifício Conselho Justiça e Paz, n. 35, afirma que “Toda a pessoa é por Deus criada, amada e salva em Jesus Cristo, e se realiza tecendo multíplices relações de amor, de justiça e de solidariedade com as outras pessoas, à medida que desenvolve a sua multiforme atividade no mundo. O agir humano, quando tende a promover a dignidade e a vocação integral da pessoa, a qualidade de suas condições de existência, o encontro e a solidariedade dos povos e das nações, é conforme ao desígnio de Deus, que nunca deixa de mostrar o seu Amor e a sua Providência para com seus filhos”. 
 
O Catecismo da Igreja Católica, n. 57, afirma que, “por ser imagem de Deus, o indivíduo humano tem a dignidade de pessoa: ele não é apenas uma coisa, mas alguém. É capaz de conhecer-se, de possuir-se e de doar-se livremente e entrar em comunhão com outras pessoas, e é chamado, por graça, a uma aliança com o seu Criador, a oferecer-lhe uma resposta de fé e de amor, que ninguém mais pode dar em seu lugar”. 
Quando a dignidade da pessoa humana, acima relatada, não é levada em conta, tudo torna-se, infelizmente, possível. Torna-se apenas um objeto a mais, uma mercadoria, um ser indistinto de qualquer outro animal. E assim, tudo é possível. Ao desfigurar-se o valor da pessoa humana, ignora-se a vontade de Deus criador e providente. Neste dramático contexto, pode ser mais importante cuidar dos ovos da tartaruga do que de uma criança faminta.
 
O Concílio Vaticano II, na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 29, nos lembra que “a dignidade de cada homem diante de Deus é o fundamento da dignidade do homem perante os outros homens”. Só se pode considerar uma sociedade justa se esta respeita a dignidade da pessoa humana, que é inviolável. Esta nunca pode ser instrumentalizada para projetos de caráter econômico, social ou político. O contrário é o correto: todos os programas de governo devem levar em conta o ser humano e sua primordial importância. E um destes grandes deveres da sociedade é não permitir que alguém passe fome. 
 
Afirma o texto-base da CF 2023 da CNBB, n. 56: “A fome no Brasil não tem sido uma questão de prioridade. Alimentar os cidadãos não tem sido a primeira preocupação dos projetos governamentais… a prioridade maior é o lucro.  Aos pobres resta a pecha social de que passam fome por querem, uma vez que o Brasil é um país generoso, onde tudo o que se planta dá. Mas não é bem assim. Sem teto, terra e trabalho digno, nenhum ser humano poderá viver com a dignidade de filhos e filhas de Deus respeitada e promovida”.
 
Concluo com uma afirmação de Dom Helder Câmara: “Se eu tenho fome, o problema é meu. Se meu irmão tem fome, o problema é nosso”!
Por Dom Francisco Carlos Bach - Bispo da Diocese de Joinville | Foto: Jaison Alves da Silva