“O mundo é composto de um montão de gente, um mar de pequenos fogos. Não existem dois fogos iguais. Cada pessoa brilha com luz própria, entre todas as outras. Existem fogos grandes, fogos pequenos e fogos de todas as cores.  Existe gente de fogo sereno, que nem fica sabendo do vento, e existe gente de fogo louco, que enche o ar de faíscas. Alguns fogos são bobos, não iluminam nem queimam. Mas outros… outros incendeiam a vida com tamanha vontade que não se pode olhá-los sem pestanejar, e quem se aproxima se incendeia”. Com este conto de  Eduardo Galeano, cerca de 35 agentes Cáritas, trazendo suas bandeiras de lutas e sonhos, representantes dos países que formam o Cone Sul (Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentine, Chile), iniciaram no último dia 3 de agosto, em Porto Alegre (RS), o Encontro Preparatório para o Congresso da Cáritas América Latina e Caribe, que se dará em fevereiro de 2019, em Honduras.

Frente às situações de enfrentamento aos retrocessos relacionados aos direitos fundamentais, aos projetos desenvolvimentistas defendidos pelas estruturas políticas e econômicas da Região, as Cáritas do Cone Sul, reunidas, avaliam as ações dos últimos quatro anos para fortalecer inciativas, com foco em incidência política, que melhor possam responder a este momento.

Com essa perspectiva, o grupo conta com a assessoria da especialista colombiana, Martha Inés Romero, membro do Comitê Executivo da Pax Christi International (PXI). O objetivo é aprofundar os conceitos e possibilidades que podem nascer a partir da adoção de práticas de incidência política bem elaboradas e executadas.

Para o arcebispo de Aracaju e presidente da Cáritas Brasileira, dom João da Costa, o Encontro é uma base para a construção de uma plataforma de ações da Cáritas no Cone Sul, frente aos graves problemas que a América Latina e o mundo enfrentam. “Diante de uma situação de exclusão social, na qual muitas pessoas vivem, nas periferias da sociedade, com seus direitos fundamentais negados, é neste contexto que a Cáritas atua, tendo como referência a própria missão de Jesus Cristo: ir ao encontro, especialmente dos mais abandonados. É neste sentido que o Encontro revela sua importância para a construção de uma ação muito maior, para que a partir da sensibilidade cristã, possamos transformar o mundo na casa do Bem Viver, onde cada pessoa possa viver em paz, tendo o pão de cada dia e dignidade humana”, destacou o arcebispo.

Região de desigualdades

A partir da escuta das realidades dos países do Cone Sul, o diagnóstico é que persiste na Região uma realidade de desigualdades com forte enfoque em economias voltadas, quase que exclusivamente, para extração de matérias-primas. Constata-se ainda na conjuntura atual da Região, um aumento nos índices de violência de gênero, violência política e exclusão, além das fragilidades institucionais, corrupção, desigualdade nas relações no mercado de trabalho para mulheres, entre outros. Diante desses desafios, a Rede Cáritas se propõe a trabalhar de forma conjunta em três grandes temáticas: pobreza, mulheres e segurança alimentar. Toda Região sofre com a grande deterioração da atividade agrícola nos países, principalmente com o uso de agrotóxicos e a dificuldade de acesso a alimentos para um grande grupo da população.

Incidência política

Como instrumento de ação, em 2017, a Cáritas Internacional organizou o Guia para a Incidência Política, no qual assim define a ação: “A incidência politica é entendida como uma forma concreta de expressar a dimensão social de proclamar a Boa Nova. No coração da incidência política estão os pobres, como uma forma de envolver homens e mulheres para conseguir mudanças sustentáveis. A incidência política é um processo, baseado em evidências, para influenciar direta ou indiretamente, quem toma as decisões, seus aliados e audiências-chave, para apoiar e implementar ações na promoção, defesa e construção do bem comum, e do pleno gozo dos direitos humanos”.

Presente no encontro, o secretário-geral do Secretariado Latino-Americano Caribenho da Cáritas (SELACC), padre Francisco Hernández, convidou os representantes dos países do Cone Sul a fortalecer os trabalhos, para que a ação da Cáritas na Região siga crescendo na construção de um projeto de desenvolvimento mais humano, solidário, justo e sustentável. “Caminhar juntos não significa que todos fazemos tudo, mas que vamos atuando conforme nossas realidades nacionais e possibilidades culturais, acima de tudo escutando os clamores dos nossos povos”, afirmou. Hernandéz também enfatizou a necessidade de realizar ações de incidência mais fortes que respondam às necessidades e urgências das comunidades que vivem em situações vulneráveis, e para influenciar mais efetivamente as políticas públicas nos países e na região do Cone Sul.

Apontando a grande responsabilidade da comunidade cristã com a construção da sociedade do Bem Viver, onde todas as pessoas possam ter vida em plenitude, o presidente da Cáritas Brasileira, dom João da Costa destacou: “Já dizia o papa Paulo VI e hoje reafirma o papa Francisco, a política é a melhor forma de viver a caridade, então não podemos pensar que sem uma nova reestruturação no campo da política vamos conseguir transformar a sociedade. Infelizmente temos péssimos representantes do povo nas esferas de governo em nosso país, e isso tem gerado muitos desconfortos. Por isso é preciso olhar com responsabilidade para a política, especialmente nesse momento de campanha eleitoral. O voto não pode ser negociado, vendido ou barganhado com nada. Hoje não basta ser justo, é preciso escolher pessoas justas, éticas, verdadeiras e responsáveis para ocupar os espaços de gestão pública. Para nós é um momento importante para a incidência política porque acreditamos que só através de políticos responsáveis nos poderes Executivo e Legislativo, poderemos transformar a sociedade brasileira, com políticas públicas de inclusão, de respeito à dignidade humana, voltadas especialmente para as pessoas empobrecidas em nosso país”, afirma o arcebispo.

Prioridades apontadas

Frente aos desafios o grupo aponta para algumas prioridades no caminho futuro da Cáritas na América Latina e Caribe: fortalecer o papel das mulheres na sociedade e na própria Igreja, trabalhar para melhorar o acesso à educação, mobilizar ações que promovam a equidade nas relações econômicas, garantir os direitos básicos da população, além de compreender que a incidência política é uma forma de expressar a dimensão social dos empobrecidos e proclamar a Boa Nova. Também se destaca a necessidade de priorizar o cuidado e a proteção dos direitos de crianças e adolescentes.

Como caminho para realizar essas prioridades, o grupo aprofundou o que propõe os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, e o que as Cáritas estão realizando nas comunidades para que esses Objetivos se concretizem, além do papel da Igreja latino-americana nesse contexto.

O Congresso da Cáritas América Latina e Caribe vai acontecer em fevereiro de 2019, com o tema “Igreja em saída que transforma e cuida da Casa Comum” e o lema “Bem Viver: Caminho para uma nova civilização”. O Encontro preparatório em Porto Alegre (RS) segue até a próxima quarta-feira, 8 de agosto.

Texto: Jucelene Rocha

Fotos: Ingrid Saavedra e Henrique Alonso

Rede de Comunicadores da Cáritas Braisleira e Cáritas América Latina e Caribe