Considerando os milhões de crianças em todo o mundo ainda sem acesso à educação primária e as dramáticas emergências educacionais causadas por guerras, migrações, desigualdades e diversas formas de pobreza, como a educação cristã é interpelada? Estas são apenas algumas das questões que o Papa Leão XIV aborda em sua Carta Apostólica “Desenhar novos mapas de esperança”, assinada na segunda-feira, 27 de outubro, e divulgada na terça-feira, 28, por ocasião do 60º aniversário da Declaração Conciliar Gravissimum Educationis. Um texto, enfatiza Leão XIV, que, no atual ambiente educacional complexo, fragmentado e digitalizado, “não perdeu sua força” e, de fato, mostra “resiliência surpreendente”.

“Essa mensagem que impele as comunidades educativas a construir pontes para oferecer, com criatividade, formação profissional e cívica nas escolas e universidades é, de fato, mais válida e urgente hoje do que nunca”, afirma o Papa. A direção a seguir é, portanto, aquela já indicada no documento do Vaticano II, que deu origem a uma constelação de obras e carismas, um precioso patrimônio espiritual e pedagógico.

Carismas educativos não são fórmulas rígidas

É impressionante o dinamismo que permeia a Carta de Leão XIV, que convida a usar sempre os carismas educativos como resposta “original” às necessidades de cada época. Citando Santo Agostinho – que compreendeu que o mestre autêntico inspira o desejo da verdade, educa para a liberdade de ler os sinais e escutar a voz interior, o Pontífice menciona a contribuição que amadureceu neste campo ao longo dos séculos: do Monaquismo, capaz de levar adiante esta tradição mesmo nos lugares mais remotos, à obra das Ordens Mendicantes e à Ratio Studiorum, que fundiu as vertentes da escolástica e da espiritualidade inaciana. Recorda, em seguida, a experiência de São José de Calasanz com as escolas gratuitas para os pobres; a de São João Batista de La Salle, com a sua atenção aos filhos dos camponeses e dos operários, aos quais se dedicariam os Irmãos das Escolas Cristãs; e, ainda, o compromisso de São Marcelino Champagnat com a superação de toda discriminação na educação; e o compromisso histórico de São João Bosco com seu “método preventivo”. O Papa não deixa de mencionar a coragem de muitas mulheres que, ele lembra, abriram portas para meninas, migrantes e os últimos: Vicenza Maria López y Vicuña, Francesca Cabrini, Giuseppina Bakhita, Maria Montessori, Katharine Drexel e Elizabeth Ann Seton.

A educação cristã é um trabalho conjunto

O Papa faz questão de enfatizar a importância do “nós”, reiterando que “ninguém educa sozinho”: na comunidade educativa, o professor, o aluno, a família, quem trabalha na administração e serviço geral, pastores e sociedade civil convergem para gerar vida. A retomada do pensamento de São João Newman – que, justamente no contexto do Jubileu do Mundo Educativo, foi declarado co-padroeiro junto com Santo Tomás de Aquino – é particularmente pertinente aqui, explica o Papa, “para convidar a renovar o compromisso com um conhecimento tão intelectualmente responsável e rigoroso quanto profundamente humano”. Destacando a vitalidade que precisa ser fomentada nos ambientes educativos, ele afirma que devemos “sair do superficial, recuperando uma visão empática e aberta”. E acrescenta:

“O desejo e o coração não devem ser separados do conhecimento: isso significaria quebrar a pessoa. A universidade e a escola católica são lugares onde as perguntas não são silenciadas e a dúvida não é banida, mas sim acompanhada”.

Educar é uma tarefa de amor, recorda o Sucessor de Pedro, falando do ensino como “uma profissão de promessas”, pois promete tempo, confiança, competência, justiça, misericórdia, a coragem da verdade e o bálsamo da consolação.

A pessoa não pode ser reduzida a um algoritmo

Em sua Carta Apostólica, Leão XIV reitera o conceito central contido no documento conciliar, que alerta contra toda redução da educação a “treinamento funcional ou instrumento econômico”. Ele reitera que “uma pessoa não é um ‘perfil de competências’, não se reduz a um algoritmo previsível, mas um rosto, uma história, uma vocação”. Ele insiste:

“A educação não mede seu valor apenas pelo eixo da eficiência: ela o mede pela dignidade, pela justiça e pela capacidade de servir ao bem comum”.

Reconstruir a confiança num mundo de conflito

Seguindo uma visão que não quer ser meramente nostálgica, mas uma profunda conexão com o presente, o texto do Papa Leão usa a metáfora das estrelas no firmamento para expressar que os princípios mencionados são “estrelas fixas” e “dizem que a verdade se busca em conjunto; que a liberdade não é um capricho, mas uma resposta; que a autoridade não é dominação, mas serviço”. Daí a reafirmação de não construir muros, de educar para o mundo e para a concórdia entre indivíduos e povos:

“A educação católica tem a tarefa de reconstruir a confiança num mundo marcado por conflitos e pelo medo, lembrando que somos filhos, não órfãos: dessa consciência nasce a fraternidade”.

Entrelaçar fé, cultura e vida

A ênfase na centralidade da pessoa na educação – como o Papa Francisco também enfatizou na Jornada Mundial da Juventude em Lisboa – leva o Pontífice a uma lembrança pessoal que o remete à sua missão no Peru, à “querida diocese de Chiclayo”. Ele relata uma visita à Universidade Católica São Toríbio de Mogrovejo, onde tranquilizou a comunidade acadêmica: “Não se nasce profissionais”, disse ele na época, “todo percurso universitário se constrói passo por passo, livro por livro, ano por ano, sacrifício após sacrifício”. Volta novamente o modo de conceber as escolas católicas, por um lado, e o corpo docente, por outro, reconhecendo que as atualizações técnicas por si só não bastam para acompanhar os tempos, mas sempre é necessário o discernimento:

As escolas católicas são ambientes onde fé, cultura e vida se entrelaçam. Não são simplesmente instituições, mas ambientes vivos onde a visão cristã permeia cada disciplina e cada interação. Os educadores são chamados a uma responsabilidade que vai além do contrato de trabalho: seu testemunho é tão valioso quanto suas aulas. Portanto, a formação de professores – científica, pedagógica, cultural e espiritual – é crucial.

Formar rede: a família continua sendo o principal lugar da educação

A expressão “aliança educativa”, recorrente em toda a Carta, é emblemática para ressaltar que a família não pode ser substituída por outras instâncias educativas: trata-se de colaboração e da consciência de que a prioridade da educação reside neste núcleo. Escuta, intencionalidade e responsabilidade compartilhada são necessárias: “É esforço e bênção: quando funciona, inspira confiança; quando falta, tudo se torna mais frágil”. Além disso, o próprio Concílio coloca essa responsabilidade dos pais na base de uma educação saudável. Se o mundo está interligado, a educação também deve estar, promovendo a participação em todos os níveis e abandonando as rivalidades, herança do passado, e unindo todos os esforços para uma convergência saudável e frutífera entre escolas paroquias e colégios, universidades e institutos superiores, centros de formação profissional, movimentos, plataformas digitais, iniciativas de aprendizagem-serviço e pastoral escolar, universitária e cultural. O que conta, segundo a visão do Papa Leão, é coordenar a pluralidade de carismas para compor uma estrutura “coerente e frutífera”, aproveitando ao máximo as diferenças metodológicas e estruturais, que devem ser consideradas recursos, não fardos.

“O futuro exige que aprendamos a colaborar mais, a crescer juntos”.

 

 

Por Antonella Palermo | Vatican News | Foto de capa: Vatican Media