Palestras de especialistas da UFSC e Cáritas Brasileira na Pré-COP Sul revelam urgência da crise climática, fragilidades dos acordos globais e estratégias da Igreja para uma incidência profética na COP30
Em Governador Celso Ramos, Santa Catarina, a Pré-COP Sul, evento preparatório para a COP30, acorre de 17 a 20 de julho de 2025, integrando o projeto “Igreja Rumo à COP30”, uma iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que congrega os Regionais do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O Painel 1 do encontro contou com as contribuições do professor Paulo Antunes Horta, do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que focou sua fala nas informações essenciais para a construção da COP30 e na urgência da crise climática, enfatizando a necessidade de uma atuação mais incisiva. Complementando o debate, Lucas D’Avila, assessor nacional da Cáritas Brasileira, abordou o tema “COP30: Justiça climática, incidência profética e os caminhos para o Bem Viver”, detalhando o papel dos atores católicos na transformação das políticas climáticas locais e globais.
O professor Paulo iniciou sua apresentação ressaltando que, desde a publicação da encíclica “Laudato Si'” em 2015, as reações à crise climática não têm sido suficientes, e o mundo “vai-se desmoronando”. Ele enfatizou que os sinais das alterações climáticas são visíveis e alarmantes, incluindo fenômenos extremos, “calor invulgar, secas, chuvas intensas e inundações, além de uma aceleração anormal do aquecimento global e do aumento de gases com efeito de estufa”, enfatizou.
Horta sublinhou a origem humana das alterações climáticas, contextualizando-as no “paradigma tecnocrático” onde o ser humano se julga ilimitado, usando a tecnologia para explorar o mundo de forma desenfreada e com ambição ilimitada.
Um ponto crítico levantado foi a falta de eficiência e progresso duradouro nos acordos multilaterais entre estados, com as últimas Conferências sobre o Clima apresentando baixo nível de implementação, privilegiando interesses pessoais sobre o bem comum. Ele questionou a inação, perguntando “Para que se quer preservar um poder que será recordado pela sua incapacidade de intervir?”.
O professor apresentou dados preocupantes sobre a concentração de CO2 na atmosfera, que atualmente atinge cerca de 422 parte por milhão (ppm), as mais elevadas da história da existência humana. O aquecimento dos oceanos e a acidificação oceânica, que já ultrapassaram os limites de segurança pré-industriais, também foram abordados como exemplos da transgressão dos limites planetários.
Horta também mostrou as consequências das mudanças climáticas, como o branqueamento de corais, o degelo das áreas permanentemente congeladas (permafrost), a salinidade crescente na Antártica e o declínio do gelo marinho. Ele apresentou diversos exemplos de eventos climáticos extremos recentes, como ondas de calor mortais na Europa, inundações severas no Texas e chuvas intensas no Rio Grande do Sul, que resultaram em desalojados e mortes.
Para o professor, é urgente que a sociedade, fundamentada na produção e consumo, reverta a transgressão dos limites planetários de segurança e justiça socioambiental. Ele destacou que a falta de ação na COP28 no Dubai, que deveria ter sido um ponto de inflexão para uma transição energética e busca do bem comum, reforça a necessidade de reverter a lógica de apenas remediar.
Em suas considerações finais, o professor Paulo Horta enfatizou a necessidade de integrar a governança com responsabilidades compartilhadas, porém diferenciadas, e de promover a colaboração entre disciplinas, setores e instituições. Ele defendeu ações emergenciais para comunicação sobre sociobiodiversidade, uma perspectiva ecocêntrica na tomada de decisão e investimentos públicos, multilaterais e da iniciativa privada para construir um futuro mais resiliente. O professor concluiu sua apresentação defendendo um “Pacto por uma COP comprometida com a promoção da saúde dos territórios para cuidarmos de todas as formas de vida, hoje e sempre”.
Caminhos para incidência profética e justiça climática
Lucas D’Avila, contextualizou o Direito Internacional e a Convenção do Clima, destacando a evolução histórica de acordos e convenções desde o início do século XX até a criação da ONU e as Convenções do Clima, Desertificação e Biodiversidade na Rio 92. Ele detalhou o funcionamento das COPs, citando eventos marcantes como Kyoto (COP 3), Paris (COP 21) e o Fundo de Perdas e Danos (COP 28), além de suas agendas de adaptação, mitigação, e financiamento, e sua estrutura com Corpos Subsidiários (SBI e SBSTA). D’Avila abordou a aplicação do Direito Internacional no Brasil, incluindo a internalização de normas e a incidência para acordos como o de Escazu.
Ele defendeu o “multilateralismo de baixo para cima”, proposto na Laudato Si’, como forma de amplificar vozes e denunciar violações, citando a “Declaração para o Semiárido” como exemplo de sucesso. D’Avila reforçou o apelo do Papa Francisco por uma resposta coletiva e urgente à crise climática, destacando o papel das organizações sociais na promoção da ecologia integral e da justiça socioambiental.
Ao analisar a COP30, D’Avila a descreveu como uma “COP da inclusão”, mas alertou para forças opositoras, como lobistas do petróleo, e restrições de participação. No contexto nacional, ele apontou retrocessos legislativos e disputas no Executivo, com avanços em algumas áreas e resistência em outras. Sobre a geopolítica, mencionou o enfraquecimento do sistema multilateral, o aumento de gastos militares e o endividamento do Sul Global, que gasta significativamente mais com dívidas do que com ações climáticas.
A agenda de “Implementação” da COP30 aborda adaptação, mitigação, perdas e danos, e transição justa, com a expectativa de financiamento de $1.3 trilhões até 2035. Ele apresentou os seis eixos da Agenda de Ação para a COP30, que visam mobilizar ações climáticas de atores estatais e não-estatais: Transição de Energia, Indústria e Transporte; Preservação de Florestas, Oceanos e Biodiversidade; Transformação da Agricultura e dos Sistemas Alimentares; Construção de Resiliência para Cidades, Infraestrutura e Água; Promoção do Desenvolvimento Humano e Social e a Facilitadores e os Aceleradores Transversais.
Finalmente, D’Avila delineou “caminhos práticos para incidência profética”, enfatizando a atuação contínua antes, durante e após a COP, com denúncia de violações e anúncio de boas práticas. Ele defendeu uma presença multinível da Igreja, com voz unificada global e atuação local, ressaltando a importância de prefeituras e estados. A incidência deve ocorrer em todas as fases das políticas públicas, utilizando poder institucional, econômico, técnico, simbólico e de mobilização em rede. Ele concluiu destacando a importância de mapear atores, construir narrativas estratégicas com argumentos técnicos, políticos e éticos, e formar alianças para construir relações e promover uma transição justa.
Matéria: Osnilda Lima | Fotos: Jaison Alves da Silva | ASCOM Pré-Cop Sul