“O Intereclesial não é do Regional e não é da Arquidiocese. O Intereclesial é nosso, é da Igreja” disse o arcebispo dom Orlando Brandes. Aplausos e euforia da multidão de mais de quatro mil pessoas no pátio em frente à Paróquia Basílica Menor Santuário Nossa Senhora das Dores, em Juazeiro do Norte, CE. O trem símbolo das CEBs entregue para a delegação do Paraná representou a partida que terá Londrina como parada, em 2017. Era o encerramento o “13º. Intereclesial de CEBs: Justiça e Profecia a Serviço da Vida”, na noite de 11 de janeiro.
A mensagem do arcebispo e uma expressão da mensagem reafirmada desde a abertura quatro dias antes. Na noite de 7 de Janeiro, o bispo de Crato (a que pertence Juazeiro do Norte) dom Fernando Panico garantiu que as CEBs, “são um jeito normal de ser igreja”. Para o bispo, o reconhecimento está provado pelo documento 92 da CNBB (Mensagem ao Povo de Deus sobre as Comunidades Eclesiais de Base) e pela mensagem da CNBB para o evento e a carta do papa Francisco.
O papa e as CEBs
Na iniciativa inédita em intereclesiais, o papa, diz que as “CEBs trazem um novo ardor evangelizador e uma capacidade de diálogo com o mundo que renovam a Igreja”. Os romeiros agradeceram-no com uma carta, aprovada na quinta-feira: “sua carta nos chegou como uma luz a iluminar o caminho, reacendendo em nós a esperança numa Igreja, Povo de Deus”.
As CEBs também parecem estar reacendendo a si mesmas. O evento iniciado em 1975, na cidade de Vitória (ES) com 85 pessoas, envolveu, este ano, 5.046 pessoas, sendo 4.036 delegados dos 18 regionais da CNBB, o maior público da história. Também foi a maior participação catarinense. O regional Sul 4 inscreveu todas as vagas a que tinha direito, 160.
Maria Glória da Silva, coordenação arquidiocesana dos Grupo de Família e de Reflexão, comemorou o avanço. Para ela, o momento e oportuno para motivar e animar os grupos no regional. “Acredito que as CEBs vão ter um recomeço e reafirmarão esse modelo de Igreja, que reconhecido pela CNBB e pelo papa Francisco”.
Para Ourora Bolzan, ex-coordenadora das CEBs em Chapecó, há experiências de CEBs em SC ainda estão ocultas pela falta a identidade. “Muitos agentes de pastoral atuam em comunidade eclesial de base, nas pastorais e serviços da Igreja, mas não se identificam como tal”.
O modelo das CEBs é inspirado nas primeiras comunidades cristãs e na Teologia da Libertação. A partir da comunidade Igreja, dialoga com todos e não deseja nada menos que libertar os oprimidos. Não e pouca coisa.
Profecia e contradição
Os índios denunciaram os recentes ataques aos seus direitos, que principalmente tentam limitar e revogar a demarcação de seus territórios em benefício dos capitalistas do campo. “A terra é mãe, e mãe não se vende. Da mãe a gente cuida”, repetiram as lideranças ao logo de quatro dias.
Os quilombolas relataram condições semelhantes. “Somos tratados como bois de carreiro: temos valor enquanto podemos produzir”, relatou Antônio Benedito, representando o Sulão (bloco dos regionais do Sul mais São Paulo) nos relatos de experiências na quarta-feira (08).
“Não à violência e ao extermínio de jovens”, foi como um mantra dos jovens em suas participações nas plenárias e discussões em grupo. Eles também pediram mais oportunidades nas comunidades da Igreja.
Condição similar é a das mulheres. Já na celebração de abertura, elas ganharam destaque quando uma líder local denunciou as mortes violentas de 245 mulheres na região do Cariri (a região de Juazeiro do Norte). Em mais de uma ocasião, elas pediram mais espaço nas instâncias da Igreja.
As contradições que envolvem os negros atingiram até mesmo as próprias CEBs, durante o momento orante inter-religioso no sábado de manhã. “Como irmãos, desejamos ser acolhidos e respeitados em nossas especificidades”, pediu a líder de religiosa de matriz afro-brasileira, Jacinta Gomes, de Sobral.
Foi uma referência às duas colegas do Candomblé da cidade que não foram convidadas a estar ali. As líderes ocuparam o lugar em que ocorria a oração. Chintania ya Omim acusou a diocese de tentar torná-las invisíveis e não cumprir com um acordo de cinco anos atrás, no qual teriam garantido que estariam presentes.
Elas também afirmaram que são tratadas como folclore e não como uma religião autêntica. Na saída do ginásio, elas receberam apoio de participantes do encontro e posaram para fotografias.
O mal entendido foi precedido pelas falas de representantes da diversidade cultural e religiosa. Entre eles, dom Francisco Biasin, presidente Comissão Episcopal Pastoral para o Ecumenismo e o Diálogo da CNBB. Para ele, “o que nos separa não é Deus, mas a riqueza e a pobreza”.
Assessores analisaram a conjuntura e aprofundaram temas na plenária do evento chamada “Caldeirão Beato Zé Lourenço”. Sete grupos temáticos, chamados ranchos, reuniram-se em locais diferentes e foram ainda divididos turmas menores, os chapéus, para aprofundarem as questões na quarta e sexta-feira.
Desafios locais
A carta publicada no encerramento da plenária no sábado sintetizou as análises da semana. “O grande capital prioriza o agro e hidronegócio e as mineradoras, continuando a expulsar do campo para concentrar as pessoas nas cidades, tornando-as objeto de manipulação e exploração, de concepções dominadoras e produtoras de profundas injustiças”.
As respostas para esses problemas muitas vezes nasce nas comunidades. Para aprender sobre elas, na quinta-feira (09), os delegados visitaram algumas experiências nas paroquias que os acolheram. A paróquia São José, no bairro Limoeiro, que hospedou os delegados catarinenses, os dividiu em grupos e enviou para locais diferentes.
A Comunidade JESC (Jesus Está Sempre Contigo), foi o destino dos que foram acolhidos na Igreja Matriz. O grupo de jovens que reunia cinco garotas em 1989, hoje envolve 160 pessoas desenvolve cursos profissionalizantes, atividades culturais, projetos educacionais e ainda oferece espaço para os grupos de jovens, família e de oração. A área do bairro é socialmente vulnerável. Violência, prostituição, tráfico de drogas são frequentes.
Irmã Marina Ferrari, da Congregação Sagrada Família, de Curitibanos, emocionou-se com a apresentação a visita à sede da comunidade. “O jeito que assumiram a caminhada, a força e a clareza deles é marcante. É uma verdadeira comunidade de eclesial de base”, declarou.
Ao menos tempo, outro grupo visitado os “Penitentes de Juazeiro”, que há 114 anos mantém práticas como o autoflagelo e roupas que cobrem todo o corpo, exceto mãos e pés e não aceitam doações em dinheiro. Na casa de um deles, os delegados não conversaram na varanda porque estavam de vestindo roupas curtas.
— É uma experiência interessante que pode ensinar algo aos grupos de família. Eles fazem tudo pela fé, são anticonsumo e são humildes. Grosso modo, é o rosto das CEBs, — avaliou Everaldo Manoel da Silva, responsável pelos grupos de família em Capivari de Baixo.
“Eu sou feliz é na comunidade”
Algo mais será inesquecível para os delegados: a maneira como foram tratados na paróquia e nas casas que os receberam. Um grupo direto de apoio de 20 pessoas estava sempre disponível com pároco padre José Adelino Martins no apoio aos mais de 150 delegados do Regional Sul 4 e cerca de 20 delegados de paroquias do sul da diocese de Crato.
— Podemos aprender muito com a religiosidade desse povo, o acolhimento e a espiritualidade da partilha aqui na região do Cariri. Eles nos consideraram como parte da família. Aqui foi o povo mais acolhedor dos quatro intereclesiais de que participei, — avaliou o líder comunitário, Osnir Zonta, de Rio do Sul.
Um exemplo foi Dona Francisca, da comunidade Parque Ecológico recebeu cinco delegados, das dioceses Rio do Sul, Caçador, Blumenau e Tubarão. Pela manhã, ela esperava com eles o ónibus e de noite não os deixava nenhum deles dormir sem banho e sem jantar.
— Meus filhos estão sentados naquela mesa lá trás, — respondeu ela, ao ser pergunta pelo paradeiro de seus hóspedes, durante a noite cultural ao lado da Igreja matriz, no dia 09.
A comunidade preparou uma amostra da festa de São João, que tradicionalmente acontece em Junho. Fogueira, arraial, quentão, quadrilha, bolo de milho, canjica e outros quitutes estavam presentes.
Os cearenses foram levados à Guerra do Contestado, com uma apresentação de dança com as duas mais importantes personagens femininas do conflito: Maria Rosa e Chica Pelega.
Uma mensagem de agradecimento enviada por dom Francisco Salm, bispo de Tubarão, SC, foi lida pelo padre Adelino que emendou: “essa carta será transcrita no livro de tombo da paróquia e não será esquecida, como a passagem de vocês por aqui”. É o início de uma amizade, avisou.
Trocaram presentes. Cada delegado recebeu rapaduras e uma imagem do Padre Cícero. Os delegados deixaram com a paróquia um estandarte e uma biografia do falecido bispo de Chapecó Dom José Gomes.
Mais cedo, ele foi lembrado na celebração dos mártires da caminhada, realizado no Horto do Padre Cícero. Por cada mártir citado, um prego foi martelado numa cruz conduzida por jovens em uma caminhada, que chegou até a igreja do horto. Lá a carta enviada ao papa Francisco foi aprovada.
No dia seguinte, outra noite cultural aconteceu, no pátio da Igreja dos Franciscanos. O “Encontro dos Artistas da Caminhada” teve como anfitrião Zé Vicente. “Somos povo de artistas. Somos estrelas que brilham juntas”, filosofou o cantor popular, na abertura do show.
No céu, fogos de artifício também brilharam nesta noite, e na abertura e no encerramento do intereclesial. Fogos foram lançados até quando os catarinenses chegaram à sua paróquia adotiva. Singelo sinal de alegria e de acolhimento, e eficiência.
O simples resolve tudo
Bastar estar na rua, quando os delegados despediam-se para volta para casa, para ouvir as conversas: “a organização da diocese foi ótima”, “foi tudo muito bom”. Não foi fácil, alimentação e transporte diários para mais de quatro mil delegados exige uma complexa logística.
A experiência da paróquia do padre Adelino pode dar uma pista da razão disso. Ele contou que lá, as comunidades de base contam com o seu apoio e acompanhamento, mas não dependem dele para tudo. Os leigos fazem e os leigos se organizam.
“O segredo da boa acolhida foram os passos que fomos dando para que, de fato, a assumissem como uma missão, por isso na frente da casa de muitas dessas famílias tinha o adesivo minha casa é casa de missão. E a acolhida se transformou numa missão para essas pessoas”, explicou o pároco. A vida deles na paróquia tem sido essa desde as missões populares realizadas há alguns anos.
Ao redor da diocese, o trabalho de mais de mil pessoas tornou-se uma profecia. E permitiu a mais de quatro mil romeiros das CEBs, não deixarem a profecia caír e não deixarem a justiça cair, como pediu Dom Helder Câmara.
Para onde vai o trem
Para continuar cumprindo esse desafio, as CEBs catarinenses apontaram três pistas de ação para o regional. Reconstruir o “jeito normal de ser igreja”, fortalecer a dimensão social, profética e orante das CEBs fazer a comunhão eclesial e com o mundo urbano. Elas valem por quatro anos.
A nova integrante da equipe de coordenação das CEBs no regional, pelos grupos de Família e Reflexão, Liége Santin, de Chapecó, disse que as pistas são viáveis, “mas disso depende de uma opção profética e libertadora durante todo o processo”.
Ela pode contar com o apoio dos bispos 72 presentes no evento, dos quais, dois são do Regional Sul 4, Dom Manoel Francisco (Chapecó) e dom Severino Clasen (Caçador).
Na carta que escreveram aos romeiros, reafirmaram o seu “empenho e compromisso de acompanhar, formar e contribuir na vivência de uma fé comprometida com a justiça e a profecia, alimentada pela Palavra de Deus, pelos sacramentos, numa Igreja missionária toda ministerial que valoriza e promove a vocação e a missão dos cristãos leigos (as), na comunhão”.
No momento em que o “trem” parte do nordeste, cumpre-se a profecia da canção cantada em 1997, quando, ainda com sete vagões, estacionou no Maranhão. “Neste país da América Latina / o trem das CEBs vai aparecer / e cada vagão que se une / é sinal que as CEBs vão sempre crescer”.