1. Saudações:

Uma homenagem à CF de 2019

  1. Estamos aqui numa sessão especial da Assembleia Legislativa de SC em homenagem à Campanha da Fraternidade de 2019. Quem a propôs foi o Sr. Deputado Pe. Pedro Baltissera; e o convite nos foi enviado pelo Presidente da Assembleia, o Sr. Deputado Júlio Garcia. Deixamos aqui o nosso agradecimento não só por termos sido convidados, mas principalmente pelo espaço dado a um assunto tão importante e que tanto tem a ver com esta Casa e com o Poder que nela se exerce.

Jesus chorou…

  1. João Evangelista conta que Jesus, ao ver chorar a irmã de Lázaro e os que a acompanhavam, por causa da morte do irmão, “comoveu-se profundamente no espírito e ficou conturbado”; e que também “Ele chorou. Os judeus então disseram: Vede como ele o amava!”[1].

O Samaritano se compadeceu…

  1. Jesus mesmo, noutra oportunidade, contou que certo homem caiu nas mãos de assaltantes, que lhe arrancaram tudo, espancaram-no e foram embora, deixando-o meio morto. Muitos passaram por lá e nada fizeram. Mas que um samaritano, que viajava, chegou perto dele e, ao vê-lo, moveu-se de compaixão. Aproximou-se dele e tratou as feridas, derramando nelas azeite e vinho. Depois, colocou-o sobre seu próprio animal e o levou a uma hospedaria, onde cuidou dele. No dia seguinte, pegou dois denários e deu-os ao dono da hospedaria, recomendando: “Cuida dele, e o que gastares a mais, eu o pagarei quando voltar”[2].

Francisco pede o dom das lágrimas…

  1. O Papa Francisco, por sua vez, fazia uma pergunta instigante: “Tu choras? Tu choras pelo teu povo? E citou um trecho de uma antiga oração para pedir o dom das lágrimas: Senhor, vós que confiastes a Moisés o mandato de bater na pedra para que dela brotasse a água, batei na pedra do meu coração, para que eu verta lágrimas”. E, ainda inspirados em Francisco, poderíamos perguntar: quantos de nós choram, por exemplo, diante do sofrimento de uma criança, diante da destruição de uma família, diante da destruição da natureza? Diante de um “clamor” relacionado com a educação, com a saúde, com a violência, com os direitos humanos, com a assistência social, com a economia, com as mulheres, com os povos originários e tantas outras situações?![3].

A superação da indiferença e a conversão do coração…

  1. A CF é um grande apelo para a superação da indiferença pela conversão do coração. A falta de sentir o outro, a incapacidade de compadecer-se e a preocupação somente consigo próprio são atitudes que não deixam perceber a realidade que está diante dos olhos; além disso, bloqueiam qualquer iniciativa que poderia resultar em adequadas políticas públicas. Afinal, a participação em políticas públicas, para nós cristãos, tem a mística de Moisés enviado ao Egito por Deus que ouviu o clamor do seu povo; tem a mística do próprio Jesus, enviado do Pai, e que sai em socorro da ovelhinha ferida, ou que toma sobre si a enfermidade de cada homem e de cada mulher para lhes oferecer vida e salvação. Também isso é “Igreja em saída”.

A Doutrina Social da Igreja e a participação do Laicato…

  1. O Texto-Base da CF lembra que a Doutrina Social da Igreja que nasce da Sagrada Escritura e da fé viva da Igreja, evidencia a necessidade de uma participação ativa e consciente dos cristãos leigos e leigas na vida da sociedade; e que um Governo democrático deve envolver todos os sujeitos da sociedade civil em seus diversos níveis, de modo que todos sejam informados, ouvidos e envolvidos no que se refere ao bem comum, em um processo de democracia participativa[4].
  2. Se, em palavras simples, se pode dizer que “políticas públicas” são a “resolução de problemas”[5], pode-se imaginar quantas não são necessárias! É claro que nosso apoio e participação dependerá de políticas públicas que estejam em harmonia com nossos princípios éticos e morais. Além disso, o atendimento aos mais frágeis e vulneráveis deve estar sempre em primeiro lugar[6].

Políticas de Estado e de Governo…[7]

  1. Há as políticas de Estado e as de Governo. As de Estado sempre se encontram amparadas pela Constituição. Devem ser realizadas independentemente de quem esteja no Governo exercendo seu mandato, não importa a que partido pertença.

As Políticas de Governo, por sua vez, são frutos de decretos ou portarias, específicos de cada Governo no exercício do seu mandato, tanto em nível municipal como estadual ou federal. É importante ter claro que políticas de governo nunca devem sobrepor-se às políticas de Estado.

Câmaras de vereadores, Assembleias Legislativas, Câmara Federal e Senado, portanto, o Poder Legislativo e também o Judiciário devem zelar para que as Políticas de Governo, por parte do Poder Executivo, ao promover suas Políticas enquanto exerce seu mandato, não atropele as Políticas de Estado.

A vida é dinâmica, também a política. Por isso, tendo em vista o bem de todos, poderá ser necessário, devido a novas circunstâncias, rever políticas públicas existentes ou criar novas. Isto, porém, através de Projetos de Lei a serem estudados e discutidos no Legislativo, incluindo a participação do povo nos debates e na hora de decidir pelo sim ou pelo não. É papel do Judiciário ser o primeiro a cuidar que a Constituição Federal seja respeitada.

Políticas de Governo podem eventualmente ser muito importantes e até mesmo necessárias e, neste caso, consolidar-se como de Estado[8]. Mas nunca podem desrespeitar as de Estado. Como estamos numa democracia, nossos Governos são transitórios. Não poderiam apenas servir-se do mandato para criar políticas públicas que não tenham em vista o bem do povo, mas apenas o interesse de grupos já privilegiados. As políticas públicas devem assegurar e efetivar direitos fundamentais da população, a começar dos mais pobres e vulneráveis. O atendimento a esses, pequenos e fragilizados, é critério para verificar se a política adotada está, de fato, a serviço do bem comum[9].

É preocupante como nos vários níveis de Governo e ao longo de diversas gestões de Governos se tem facilmente desrespeitado Políticas Públicas de Estado. Para enfrentar essa realidade, há a necessidade de aprendermos a exercer nossa cidadania tornando-nos bem informados, participativos e conhecedores do assunto. Seremos, então, capazes de acompanhar o modo como as políticas públicas são concretizadas e de avaliar os seus resultados.

A fé e os atos concretos…

  1. O Papa Francisco, ao nos instruir a respeito das obras de misericórdia, faz-nos entender que as políticas públicas nos recordam que a nossa fé cristã se traduz em atos concretos e quotidianos, destinados a ajudar o nosso próximo no corpo e no espírito: providenciando alimentos, fazendo-lhe visitas, oferecendo-lhe conforto nas horas difíceis; sobre esses atos seremos julgados:[10].

Conclusão…

  1. Jesus, ao ver Maria chorando, também chorou e devolveu a vida ao irmão Lázaro; o Samaritano, viu, aproximou-se e, compadecido, prestou socorro e cuidou daquele homem, vítima de assaltantes; o Papa Francisco sugere pedir o dom das lágrimas para que, superando a indiferença, saibamos ir ao Egito, como Moisés, e à humanidade ferida, como Jesus, para salvá-los e libertá-los; a Igreja, alimentada pela Palavra de Deus e alicerçada em sua experiência de vida de fé, pede que seus filhos, leigos e leigas, participem ativamente na vida da sociedade em vista do fortalecimento da cidadania e do bem comum, sinais de fraternidade[11].
  1. Muito obrigado!

 

Dom João Francisco Salm

Bispo de Tubarão

Presidente do Regional Sul 4 da CNBB

 

[1] Cf. Jo 11,41-47.

[2] Cf. Lc 10,30-35.

[3] Aos Párocos da Diocese de Roma – Sala Paulo VI, 6 de março de 2014.

[4] Cf. CNBB, Texto-Base da CF-2019, nº 162.

[5] Cf. CNBB, Texto-Base da CF-2019, nº 45.

[6] Cf. CNBB, Texto-Base da CF-2019, nº 27.

[7] Cf. Dom Guilherme Werlang, meditação do dia 08 de fevereiro de 2019, nas redes sociais.

[8] Cf. CNBB, Texto-Base da CF-2019, nº 27.

[9] Cf. Dom Sérgio da Rocha, Presidente da CNBB, no lançamento da Campanha da Fraternidade, em Brasília, no dia 06 de março de 2019.

[10] Cf. FRANCISCO, Mensagem da Quaresma de 2015.

[11] Cf. CNBB, Texto-Base da CF-2019, nº 12.