O Regional Sul 4 da CNBB se alegra e agradece pela homenagem que lhe é prestada por esta Casa. Porém, mais do que ter recebido a homenagem, conta o significado desta sessão neste local, tendo como motivo a Campanha da Fraternidade e, sobretudo, o seu clamor: A “superação da violência porque somos todos irmãos!”. Reforço o argumento: “PORQUE SOMOS TODOS IRMÃOS!”! E pela mesma razão, neste local não cabe outra coisa, motivação ou interesse a não ser a fraterna preocupação com o bem comum.

Ao falar de violência, vêm-nos à lembrança, apenas como exemplos, a prática de agressões físicas contra pessoas e a intenção de fazê-las sofrer ou até de matá-las; pensamos no uso da força ou da intimidação moral contra alguém; o cerceamento da justiça e do direito, coagindo e oprimindo indefesos; o desrespeito à vida, direta ou indiretamente; o modo irresponsável como tratamos nossa “casa comum”, o meio-ambiente; o descarte de pessoas, a miséria e a fome; […]. A violência está sempre pronta a manifestar-se, desde formas muito sutis – como um gracejo ou comentários que ridicularizam e destroem – até atos notoriamente hediondos. Mas não nos esqueçamos da mentira, da informação falsa, da violência da língua, do mau uso de ferramentas poderosas como as redes sociais, e do jogo e prática de interesses egoísticos. Também a indiferença e a omissão podem ser terríveis e detestáveis.

O comportamento humano muitas vezes nos deixa perplexos: o homem que é capaz de dar a vida em lugar de um pai de família condenado a morrer de fome, ao mesmo tempo constrói máquinas de matar e destruir, sem dó nem piedade. Assim, a violência – ser humano contra ser humano – nos põe, dentre tantas, uma pergunta inevitável: “Quem é o homem?” Depois de experimentar as atrocidades da guerra e o caos trágico dos campos de concentração de Auschwitz e Dachau, no dia 25 de março de 1949, em Viena, Victor Frankl faz esta indagação: “Quem é o homem?” E comentou: “… Nós o conhecemos no campo de concentração, onde tudo o que não lhe era essencial foi jogado fora. Sobrou o que ele não pode ‘ter’ mas o que deve ‘ser’. O que ficou foi o próprio homem em sua essência, queimado pela dor, dissolvido pelo sofrimento – o elemento humano em sua quintessência”. Em seguida, respondeu: “O homem é a criatura que inventou a câmara de gás, mas ao mesmo tempo é a criatura que foi para a câmara de gás de cabeça erguida rezando o Pai-nosso ou com uma prece dos judeus nos lábios. Também isto é o homem”.

Se o ser humano, vítima de seus semelhantes, autores de tanta violência, é capaz de ir para a câmara de gás de cabeça erguida, em oração, é preciso acreditar, com todas as forças e convicção, que este ser humano, capaz de tudo, também é capaz de superar a violência percorrendo um itinerário de “conversão”, de “metânoia”, de “recriação”. Por isso, para nós cristãos católicos e todos os demais, movidos por boa vontade, a Campanha da Fraternidade tem lugar especial na Quaresma como tempo de mudança e de transformação.

Na Evangelii Gaudium, o Papa Francisco faz uma pergunta instigante: “Quais são as pessoas que, no mundo atual, se preocupam mais com gerar processos que construam um povo do que com obter resultados imediatos que produzem ganhos políticos fáceis, rápidos e efêmeros, mas que não constroem a plenitude humana?” (cfr. EG, n. 224).

Pois bem, estamos aqui neste areópago revestido de tanto simbolismo, – espaço de tantas discussões entre representantes do povo, por ele eleitos e por ele incumbidos de buscarem o bem comum por meio de políticas públicas e a qualquer preço, porém, sempre com honestidade (!), promovendo a cultura da justiça, da reconciliação e da paz. Cheios de esperança, juntemos, então, todos nós, as forças que temos, no empenho por “gerar processos” que superem a violência, que promovam um mundo melhor, uma sociedade justa e fraterna e um tempo novo.

A violência é um flagelo que nos envergonha demais. O esforço por superá-la “por que somos todos irmãos”, constrói fraternidade, enche-nos daquela LUZ que dá sentido à vida, que permite ver, distinguir caminhos, seguir em frente, transformando-nos em homens e mulheres novos, cujo modelo é, para nós cristãos, Cristo que superou a morte.

Para terminar, cito um texto de autor desconhecido: “não tragam apenas a palavra afiada, feita faca para o combate; tragam também a voz e, no canto, a melodia do sonho e da esperança da unidade. Não tragam apenas olhos críticos para desnudar a injustiça e a opressão que os outros comentem; tragam também um olhar doce e terno, capaz de perdão, misericórdia e reconciliação. Não tragam apenas mãos firmes e fortes, a fim de remover barreiras e obstáculos; tragam também na ponta dos dedos sensíveis o bálsamo para as nossas feridas do corpo e da alma. Não tragam apenas pés rijos e calejados para as estradas íngremes e inóspitas; tragam também passos leves e pacientes, sintonizados com o ritmo dos mais debilitados. Não tragam apenas a boa nova do evangelho como um tesouro de preciosas pérolas; tragam também a arte, a graça e a magia de transmiti-la em tempos complexos. Não tragam apenas um espírito de fé, que tudo vence, supera e sublima; tragam também o coração aberto ao diálogo, à solidariedade, à paz e à oração. Não tragam apenas a água viva da mensagem, junto com a certeza de que Deus o envia; tragam também sedes, dúvidas e interrogações, pois, evangelizar é um movimento de mão dupla. Não tragam apenas o ouvido atento e a resposta pronta ao sofrimento e à alegria de tantos caminhos; tragam também o silêncio respeitoso diante da dor, já que uma história nua é como um sacrário aberto”.

Muito obrigado!

Dom João Francisco Salm
Bispo de Tubarão
Presidente do Regional Sul 4 da CNBB