A Fundação Catarinense de Cultura (FCC) propôs-se a treinar conservadores para as dioceses preservarem o patrimônio sacro. A restauradora e conservadora Karen Kremer destacou a proposta no II Seminário de Conservação de Igrejas e Arte Sacra de SC, em Porto Belo, 22, promovido pela FCC, CNBB Regional Sul 4 e Arquidiocese de Florianópolis.
— A gente vai ser parceiro sempre. Dependendo do que vocês quiserem a gente abre vagas no estágio ou faz um curso específico —, sugeriu Kremer, que é conservadora e restauradora da FCC.
Segundo ela, a conservação custa muito mais barato que a restauração e “realmente protegerá os bens para não chegarem naquele ponto em que a restauração tentará voltar como era, o que é bem complicado”.
Kremer apontou que os conservadores poderiam, entre outras coisas, avaliar cada igreja para definir regras de conservação para cada uma, pois não existe uma regra geral. Em casamento, por exemplo, o uso velas, vasos de flores com água e tachinhas podem pôr em risco o patrimônio, dependendo dos mobiliário local. “Quem sabe um dia seja chique casar sem decorar as Igrejas”, ponderou.
Os conservadores também poderiam avaliar os andores, em que imagens são levadas nas procissões, para prevenção de acidentes. Ela sugeriu que imagens protegidas deveriam ser dispensadas das procissões com o uso de réplicas e serem monitoradas por alarmes para detecção de movimentos, para prevenir roubos e manipulação indevida. Condicionadores de ar podem ser prejudiciais ao bens móveis, se forem ligados e desligados constantemente.
Paredes precisam respirar
Sílvia Maia, arquiteta da Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural da fundação, alertou que as intervenções nos bens imóveis devem “atender a critérios técnicos do órgão de preservação”. É ele quem “presta orientações para projetos de intervenções de restauro e o responsável pela aprovação e fiscalização da obra”. De acordo com a arquiteta, a fundação está disponível para que as dioceses a consultem antes da realização de obras.
Pequenos reparos nas igrejas podem ser realizadas sem projeto técnico aprovado pelo órgão, explicou Maia, como enxerto em uma porta com madeira similar. No entanto, a troca da porta toda “só o órgão competente pode julgar se é correto”. Também alertou para prevenção de infiltrações, o ambiente seja mantido arejado para que as paredes “respirem”, evitando assim fungos e umidade. A área externa também deve ser mantida segura, sem perfurações ou entulhos que prejudiquem sua aparência e a estrutura.
Rosivaldo Flausino, também da FCC, indicou fontes estaduais apoiadoras do patrimônio cultural catarinense. Uma das mais importantes é o Prêmio Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura. Entre seus objetivos está o fomento ao conhecimento e à preservação do patrimônio cultural catarinense. Na última edição, que é anual, projetos entre 100 mil e 500 mil reais foram contemplados.
Patrimônio cultural é direito difuso
Atuação do Ministério Público (MP) na defesa do Patrimônio Cultural sacro acontece porque é um direito coletivo tutelado pelo órgão, como explicou o promotor do Ministério Público de Minas Gerais, Marcos Paulo de Souza.
O MP atua de maneira preventiva celebrando Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), restauração de capelas de igrejas e de imagens sacras, entre outros. “O objetivo é sempre auxiliar os demais atores envolvidos na busca de soluções consensuais para preservação do patrimônio”, explicou. Apenas quando um acordo não é possível é que o MP recorre ao Poder Judiciário.
— A preservação dos bens culturais da Igreja é importante porque são parte de nossa história, são bens referenciais da forma de ser e da forma de viver do povo. Não raramente, igrejas e capelas são os bens mais antigos porque várias cidades surgiram ao redor delas —, analisou o procurador.
Souza também explicou que o MP atua no combate ao roubo de imagens e lidera iniciativas de recuperação dessas peças. Além disso, ressaltou a importância da parceria para a realização do seminário.
— Parabéns, para a CNBB, para Arquidiocese e a FCC, porque eventos como esse, auxiliam demais, na integração das ações e no fortalecimento das parcerias. De modo que, a gente possa ter o patrimônio cultural cada vez mais conservado, para que possam servir além de elementos de fé, também como instrumento de cultura, inclusive com finalidade turística, com geração de renda para a comunidade —, disse.
Em Lages, o Ministério Público de Santa Catarina mapeou todos os bens protegidos e apurou as condições de cada um. Para os que exigem correções utilizaram TACs, como explicou o promotor Renee Cardoso Braga.
— Queremos ampliar essas ações para toda região de Lages e recuperar os documentos antigos da Igreja (como os registros civis, que eram realizados pela Igreja no passado), microfilmados e permitir o acesso para consulta de todos —, revelou Braga. Para ele, a preservação do patrimônio é necessária não apenas quando reconhecido pelo Estado, porque o valor é “intrínseco ao bem” e porque é tombado.
Braga avaliou que as pessoas são “muito imediatistas” e pensam pouco direitos coletivos e no futuro. “Mas a Constituição Federal determina que é preciso pensar, e muito, no futuro”.
Igreja reconhece importância da preservação
Durante a divulgação do evento, o Presidente da CNBB Regional Sul 4 e bispo de Tubarão, dom João Francisco Salm, escreveu, em uma carta de motivação, que a Igreja em Santa Catarina reconhece “a importância de bem preservar esses testemunhos para que as futuras gerações também possam usufruir desse grande tesouro, nosso patrimônio sacro e religioso, seja ele material ou imaterial”.
Dom Salm apontou também que “temos diante de nós o grande desafio de preservar, não somente a matéria, mas o próprio espírito que dá sentido e a correta apropriação, compreensão e uso de todo esse patrimônio. Uma estátua, uma igreja e seus retábulos e altares, uma procissão, um sino e seus toques, uma música e seus instrumentos musicais encontram seu sentido pleno à medida que estão dentro do seu próprio contexto de fé que os criou e utilizou. Vemos diante de nós um campo enorme de estudo, reflexão e trabalho”.