O Sínodo sobre a sinodalidade é apresentado como “uma experiência única para toda a Igreja”, segundo Agenor Brighenti. O teólogo brasileiro foi recentemente nomeado membro da comissão teológica do Sínodo, serviço que ele diz acolher com grande alegria.

Passos importantes na implementação da sinodalidade

O exercício da sinodalidade tem sido uma dificuldade na Igreja pós-conciliar. De fato, “o grande desafio é colocar a colegialidade episcopal no centro da sinodalidade eclesial”. Nesse sentido, “o Papa Francisco está dando passos muito decisivos e consistentes na implementação desta sinodalidade”, segundo Agenor, que faz parte da equipe teológica do Celam. Na entrevista, ele reflete sobre os passos dados e as dificuldades enfrentadas na experiência da sinodalidade na América Latina.

A Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, claro exemplo de sinodalidade, é vista pelo teólogo como um bom aprendizado para o próximo Sínodo. As consequências deste Sínodo “dependerão muito do processo de escuta”, segundo o padre Brighenti. Na medida em que “ouve o grito, as exigências, os desafios, também a Igreja se torna realidade, que abrimos a possibilidade de uma conversão aos ideais do Evangelho”. Tudo isso “nos obrigará a repensar as estruturas da Igreja”.

Sinodalidade como realidade estrutural da Igreja

Ele acaba de ser nomeado membro da Comissão Teológica do Sínodo sobre a Sinodalidade. O que essa nomeação significa para o seu trabalho como teólogo?

É um serviço que acolho com muita alegria, apesar dos grandes desafios e dificuldades que encontrarei, mas é um momento único na Igreja. Nunca pensamos que a sinodalidade poderia ser uma realidade estrutural, porque haverá um momento nas igrejas locais. A partir daí haverá um momento continental, nos cinco continentes, para culminar em uma assembleia geral.

Podemos dizer que será uma experiência única para toda a Igreja, porque teremos o Sínodo dos Bispos na perspectiva da Constituição Episcopalis Communio, que quer fazer da Assembleia do Sínodo uma Assembleia do Povo de Deus , onde a Igreja se configura como Igreja de igrejas, comunhão de igrejas locais. A sinodalidade é verdadeiramente expressiva quando é a expressão da voz do Povo de Deus através das Igrejas locais. É um acontecimento inusitado de Francisco que acolhemos com muita alegria e que tentaremos colaborar tanto quanto possível.

O “sensus fidei” como expressão da Igreja como um todo

Ele falou da sinodalidade como uma dimensão estrutural da Igreja, que não é realmente algo novo, mas uma proposta que vem do Concílio Vaticano II. Por que foram tantas as dificuldades em assumir apenas passados ​​quase 60 anos esta dimensão estrutural que o Conselho assinalou como elemento fundamental?

Estamos em vias de receber o Concílio Vaticano II, que é um processo de renovação da Igreja em grande escala, e um dos aspectos em que tem sido muito difícil avançar foi precisamente no exercício da sinodalidade. Como fazer para que o “sensus fidei” seja uma expressão da Igreja como um todo, desde as igrejas locais, os órgãos intermediários, como as conferências episcopais nacionais e continentais, e especialmente a questão da Cúria Romana.

O Papa Francisco está dando passos muito decisivos e consistentes na implementação desta sinodalidade, que teologicamente já está na reflexão do Vaticano II, mas do ponto de vista de seu funcionamento, muito pouco progresso foi feito. O grande desafio era colocar a episcopalidade ou a colegialidade episcopal no centro da sinodalidade eclesial. Sempre foi algo difícil na Igreja posicionar o bispo como membro do Povo de Deus, não como líder do Povo de Deus, não como mestre do Povo de Deus, não como comandante do Povo. de Deus, mas como membro do Povo de Deus.

Aparecida, e isso é muito interessante nesse sentido, coloca os bispos como membros do Povo de Deus, e Francisco tem insistido que os bispos não podem ser uma espécie de elite na Igreja, eles precisam estar inseridos no Povo de Deus. Mesmo quando há um órgão como uma conferência episcopal ou um sínodo, que é de bispos, não pode ser simplesmente a expressão de um setor da Igreja. Se houver reunião de um segmento da Igreja, deve ser a voz de todo o sentimento comum do Povo de Deus.

Neste sentido, na atualidade, a renovação do Vaticano II dá um passo substancial, como também a reforma da Cúria, como certamente será o estatuto das conferências episcopais nacionais, para que sejam a expressão de uma assembleia eclesial e não simplesmente de bispos. Como também será reconsiderado o papel do bispo nas dioceses, porque em termos canônicos os bispos, dentro da Igreja local, são muito pouco sinodais do ponto de vista do Direito Canônico, a ponto de concílios e assembleias serem opcionais.

Certamente, com este Sínodo será necessário fazer funcionar mais ou menos estes organismos de comunhão, que existem na Igreja hoje, mas que não sejam opcionais, mas obrigatórios. Como pode a Igreja ser Povo de Deus, Povo sinodal, Povo de Deus que exerce o “sensus fidei”, se não existem órgãos estáveis ​​que assegurem esta participação efetiva de todos no discernimento e na tomada de decisões da vida pastoral.

América Latina e esforços para viver a sinodalidade

Mesmo aos trancos e barrancos, podemos dizer que a América Latina tem sido o continente onde mais esforços foram feitos nesta tentativa de viver a sinodalidade. O que a Igreja da América Latina e do Caribe pode contribuir para o próximo Sínodo da Sinodalidade?

A Igreja na América Latina foi muito pioneira em muitos aspectos da recepção do Vaticano II, a tal ponto que se disse que aqui houve uma recepção criativa do Concílio. Não no sentido de simplesmente repetir ou implementar a letra de um texto, mas aqui houve uma recepção em nosso contexto latino-americano. Por exemplo, categorias como a nova evangelização, a conversão pastoral e esta renovação em termos de organismos eclesiais mais de comunhão e participação e mais sinodais, a Igreja da América Latina também foi pioneira.

Medellín, como uma conferência continental, já havia acontecido em 1955 no Rio de Janeiro, são conferências pioneiras. Para um continente receber um concílio de forma tão consistente e incisiva como Medellín e depois Puebla. Foi também inspirador para toda a Igreja, o Sínodo da Amazônia, porque o Sínodo da Amazônia é o primeiro sínodo que se realizou sob a inspiração da Constituição Episcopalis Communio.

Nesse sentido, a assembleia sinodal do Sínodo da Amazônia foi muito mais do que uma simples conferência episcopal, especialmente o processo de escuta, que foi muito inovador em termos da participação de todas as Igrejas locais de toda a região amazônica. Esta escuta conduziu à leitura sinodal, não só através dos bispos, mas também através de outros atores como indígenas, mulheres e leigos. Então, surgiu a consequência do Sínodo da Amazônia, que clamava por um órgão episcopal representativo para a região, e da ideia de um corpo episcopal, surgiu, mesmo por sugestão do Papa Francisco, um corpo eclesial e não apenas um episcopal. 1.

A experiência do Sínodo sobre a Amazônia revela também uma etapa muito mais consistente do Sínodo dos Bispos, tanto em relação ao processo de escuta, que agora envolve todas as Igrejas locais do mundo, quanto mais tarde na assembleia geral, que o fará passar pelos continentes. É a reafirmação da importância do Celam na Igreja universal, dos nossos cinco documentos, que têm sido uma reflexão importante para outras Igrejas.

Também Aparecida, sabemos a importância de Aparecida, tanto é que a nova assembleia eclesial do continente, o Papa pediu que nenhum outro documento fosse escrito, mas que Aparecida fosse retomada, porque realmente é um documento, como se expressa na Evangelii. Gaudium, que ele é capaz de continuar a iluminar por muito tempo a Igreja do continente. Como foi iluminada para outros continentes através da Evangelii Gaudium, que é muito inspirada em Aparecida.

Este Sínodo, com este novo perfil, o nosso Papa é latino-americano, se deixou inspirar e também ajudado por esta experiência da Igreja presente na América Latina, especialmente agora a Igreja presente na Amazônia.

Assembleia eclesial como aprendizagem para o próximo Sínodo

A Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe retoma as idéias de Aparecida e a metodologia do Sínodo para a Amazônia, especialmente no processo de escuta. Poderíamos dizer que esta Assembleia Eclesial é uma ponte, uma prova para o próximo Sínodo sobre a Sinodalidade?

Sem dúvida, esta experiência da Assembleia Eclesial, ao chegar ao Sínodo da Sinodalidade, será uma boa experiência de aprendizagem. Nesta Assembleia latino-americana e caribenha há duas novidades, uma primeira novidade é o perfil da própria Assembleia, que não é episcopal, mas eclesial. Além disso, já estamos em processo de escuta e todas as Igrejas locais estão sendo envolvidas. Nesse sentido, está muito em harmonia.

A segunda grande novidade da Assembleia Eclesial Latino-americana é a retomada de Aparecida, e nada mais é do que o resgate da renovação do Concílio Vaticano II, que durante as últimas décadas ficamos para trás se não retrocedêssemos. Retomar Aparecida é retomar a renovação do Vaticano II e é o objetivo do próximo Sínodo dos Bispos. A reflexão sobre a sinodalidade nada mais é do que retomar, com força e consequência, a eclesiologia do Concílio Vaticano II de uma Igreja Povo de Deus e a necessidade de exercer o sensus fidelium na Igreja, mesmo avançando ao nível em que nós foi quando iniciamos este processo de regressão em relação à renovação do Vaticano II.

Francisco, o papa da sinodalidade

Na última Assembleia do CELAM, na análise da situação eclesial, Austen Ivereigh, uma das biógrafas do Papa Francisco, definiu o atual pontífice como o Papa que ficará para a história como o Papa da Sinodalidade. Podemos dizer que este Sínodo é o ponto culminante do pontificado do Papa Francisco?

O Papa Francisco tem várias frentes de reforma, de renovação. A questão da sinodalidade é sem dúvida importante. Desde o primeiro momento abordou a questão da reforma da Cúria, tornando-a mais sinodal, como uma tarefa deste pontificado, que está bem avançado, e este ano, quem sabe, pode até haver uma luz no final do túnel.

Mas eu também diria que o Papa Francisco é também o Papa que vai entender a missão na Igreja, não na perspectiva do Cristianismo, que é uma missão que consiste em sair para trazer pessoas para a Igreja Católica, mas uma missão que é uma Igreja partidária, no sentido de Igreja que, como sacramento do Reino, tornará o Reino de Deus presente no mundo. Ele disse em Evangelii Gaudium, 176, que evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo, essa é a missão da Igreja.

Um segundo campo importante deste pontificado é marcar o caráter missionário da Igreja, uma missão centrífuga, para fora. Uma Igreja que rompe e supera uma postura autorreferencial típica de uma mentalidade cristã. Este também é um passo gigante. E, neste particular, Francisco pede muito à Igreja da América Latina. Tem também Aparecida, onde ele também esteve presente, que trata disso com muito sucesso.

Junto com a Igreja que está saindo, outro aspecto importante do pontificado de Francisco é levar a Igreja para as periferias e para as fronteiras, que é outra questão importante. Porque nas periferias estão os excluídos, e neste campo de exclusão, o pontificado de Francisco resgata com toda a força e consequência, um modelo da Igreja de João XXIII, uma Igreja pobre e para os pobres, que é uma Igreja de todos, e em particular a opção pelos pobres na América Latina.

Neste pontificado, a questão dos pobres, juntamente com a sinodalidade e a missão, é um marco central e importante que está muito em sintonia com o caminho da Igreja na América Latina. E ao lado da questão das periferias, há também a questão das fronteiras. A fronteira é o ponto de encontro com o diferente e com as diferenças. E este pontificado disse desde o início que devemos ir para as periferias, ir para as fronteiras, mas sem a tentação, diz o Papa Francisco, de domesticar as fronteiras. Vá para as periferias, vá para as fronteiras e traga essas diferenças para a Igreja e domine-as, e faça-as, no fundo, semelhantes a nós.

Há algo muito desafiador neste pontificado, que é o relacionamento com as pessoas diferentes, mas estar aberto para aceitar as diferenças e se deixar enriquecer pelas diferenças, e que as diferenças não são uma ameaça, mas as diferenças são instâncias de novas possibilidades, que podemos enriquecer, podemos também expandir profundamente o serviço do diálogo e a presença da própria Igreja. A fronteira é esse mundo plural e diverso que existe, no meio do qual deve viver a Igreja. Pelo menos essas bandeiras são muito fortes no pontificado de Francisco, junto com a sinodalidade.

Repensando as estruturas da Igreja

Que perspectivas este Sínodo abre, não só para a Igreja universal, mas também para a Igreja diocesana e comunitária?

As consequências dependerão muito do processo de escuta, porque à medida que se ouvem o grito, as exigências, os desafios, a Igreja também se torna realidade, o que abre a possibilidade de uma conversão aos ideais do Evangelho. Mas, sem dúvida, esse processo, se bem feito no nível das Igrejas locais, vai provocar processos, vai provocar a necessidade de ser mais coerentes com ele.

Neste particular, será necessário repensar as estruturas da Igreja, não só, como se faz agora ao nível da Cúria Romana, mas também repensar as estruturas das comunidades eclesiais mais básicas, repensar a estrutura da paróquia, da diocese, de uma conferência episcopal nacional ou continental, no sentido de que são estruturas flexíveis de comunhão e participação, que possibilitam a presença efetiva da Igreja como um todo nos processos de discernimento e também de decisão .

E para que isso aconteça, certamente será necessário repensar muitos dos estatutos das instituições que a Igreja possui hoje. E certamente também será necessário reformar alguns cânones do próprio Direito Canônico, para aceitar essa sinodalidade em sua experiência concreta, também do ponto de vista jurídico. Porque a Lei precisa garantir que os passos que vão ser dados, e que já estão sendo dados, sejam realmente garantidos e que não haja possibilidade, diante de uma mudança nas pessoas, de voltar aos estágios anteriores.

Se este Sínodo for vivido nas Igrejas locais, no continente e em toda a Igreja, certamente haverá consequências positivas em todos os níveis, no sentido de uma Igreja muito mais de comunhão e participação, que é uma parceria proposta pelo Papa. . Comunhão, participação, sinodalidade, que são categorias da nossa Igreja latino-americana, que é basicamente o Vaticano II, a comunhão eclesial. E para ter comunhão, não pode ser algo simplesmente espiritual ou simplesmente afetivo. Também deve haver participação efetiva para que haja verdadeira comunhão.

Por padre Luis Miguel Modino, Celam.